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PARÁBOLAS

A escolha do casal infeliz

Ficção bem real

Era uma vez, na não tão mítica terra de Nom, duas pessoas muito agradáveis que se apaixonaram. Decidiram viver o resto de suas vidas juntos, para preservar os bons sentimentos que havia entre elas. Acreditavam que o amor poderia conquistar tudo e idealizaram um futuro de alegria contínua e crescente felicidade.

No entanto, com o passar do tempo, algum mal misterioso começou a espreitar furtivamente pelas frestas da sua alegria. Lenta, invisível e insensivelmente, começou a abrir caminho até o centro do relacionamento. De início, ambos supuseram tratar-se apenas de um estado de espírito temporário do companheiro. Mas com o correr do tempo cada um passou a suspeitar de que o outro estivesse, de alguma maneira, enfeitiçado. Tornava-se cada dia mais árduo manter qualquer semelhança com a felicidade que outrora florescera. As coisas pioraram, até tornar-se óbvio para ambos que mesmo fingir que ainda eram felizes constituía uma tarefa cansativa. Finalmente, começaram a acusar-se mutuamente de serem a fonte do mal, cada qual alegando a própria inocência. Recrutaram aliados entre seus amigos e parentes; escolhidos os lados, foram abertas as hostilidades.

A guerra continuou em sua escalada até que especialistas foram consultados. Três deles sustentaram que o problema seguramente era culpa do homem. Outros três sustentaram que o problema era seguramente culpa da mulher. Cada lado reuniu dados e elaborou sofisticadas teorias para fundamentar suas opiniões, e o resultado foi o acirramento das hostilidades. O homem e a mulher não conseguiam se olhar sem se sentirem irritados ou vazios. Às vezes também se sentiam culpados, porque em momentos ocasionais de solidão perguntavam a si mesmos: "Será que foi por minha culpa?", ou "Como eles não vêem que eu também sou responsável?". Mais tempo se passou, até que finalmente o problema foi levado a um tribunal de justiça.

O Tribunal

Trocaram acusações e contra-acusações. A sessão era presidida por um juiz sábio e perspicaz, que num dado momento se inclinou sobre a bancada e disse: "Antes de prosseguirmos com este caso, há algo que devo lhes dizer. Quem quer que seja considerado culpado estará condenado a uma vida de total e absoluta infelicidade e será constantemente atormentado por uma terrível culpa. O outro estará livre para tentar reencontrar uma vida de alegrias. Embora as chances estejam contra vocês, não é impossível tentar recuperar a felicidade. Então, ofereço-lhes uma alternativa..."

"Se ambos não têm qualquer dúvida de que estão com a razão, continuarei a ouvir o caso e tomarei uma decisão. No entanto, não sou perfeito, e posso tomar uma decisão errada. Assim, vocês estarão arriscando o seu futuro por causa da minha falibilidade e da veemência da sua reivindicação. Ou então podem optar por procurar a ajuda de um técnico da experiência indicado pela corte, que se encarregará de lhes oferecer formas alternativas de esclarecer quem está com a razão."

Esta segunda alternativa era ao mesmo tempo assustadora e intrigante para o homem e a mulher. Nenhum dos dois estava realmente certo quanto a quem tinha razão, e todo mundo já ouvira falar dos poderes e dos mistérios dos técnicos da experiência. Depois de muita discussão, e contra o conselho dos advogados, especialistas, amigos e parentes, eles decidiram encarar o desconhecido técnico da experiência, ao invés de pôr em risco seu futuro ao sabor dos caprichos da corte.

O Instituto de Experiência Generativa

Na manhã seguinte, chegaram ao laboratório e esperaram ansiosamente no escritório do supervisor técnico. Um assistente entrou e silenciosamente acenou para que o seguissem. Caminhando através de longos corredores, passaram por salas cheias de enormes máquinas e de uma parafernália científica. Finalmente, entraram num pequeno quarto completamente escuro, exceto por uma suave luminosidade de cor vermelha.

Na sala, aparentemente vazia, havia duas cadeiras. O assistente deixou-os sentados, olhando nervosamente ao redor. Uma porta na pequena sala abriu-se e um vulto entrou. O brilho avermelhado refletiu-se no jaleco branco, criando uma imagem sinistra. O homem e a mulher notaram que a luminosidade parecia irradiar-se de todos e de nenhum lugar ao mesmo tempo.

O vulto apresentou-se como o Quarto Técnico e, a um movimento de sua mão, um pequeno terminal de computador emergiu do chão. Dedos ágeis deslizaram pelo teclado e surgiram palavras no monitor.

As Quatro Alternativas

O Quarto Técnico explicou que ofereciam uma variedade de futuros a pessoas com o mesmo problema. Resumiu cada um deles:

1. A Pirâmide da Memória

Equipar a casa com pirâmides holográficas que retêm três acontecimentos felizes do passado, com aproximadamente seis horas de duração cada. Permitia reviver momentos de felicidade, mas com o risco de vício e empobrecimento.

2. O Cérebro Holográfico

Um banco de memória que armazenava fatos e crenças. Cada um acreditaria firmemente que o outro era culpado e teria a ilusão de que isso era aceito como incontestável. Mais barato, mas exigia nunca mais se encontrarem.

3. A Aura Verde

Um futuro com novas experiências juntos, sem riscos ou sentimentos desagradáveis. Eliminava todas as arestas desagradáveis da relação, mas também a possibilidade de novos momentos inesquecíveis.

4. Os Cilindros do Sonho

Viver em estado semelhante ao coma, mas interiormente experimentando a vida que acreditavam que teriam quando estavam apaixonados. Nada seria real, mas não seriam capazes de perceber a diferença.

A Decisão Final

Após experimentar a quarta opção (os cilindros) e vivenciar três dias de alegrias contínuas em um sonho perfeito, o homem e a mulher foram deixados sozinhos para decidir seu destino.

Uma hora depois, o supervisor técnico entrou no escritório e perguntou: "O que decidiram?"

Os dois entreolharam-se, e finalmente o homem disse: "Decidimos não utilizar seus serviços, por mais sedutores que sejam. Vamos tentar construir nosso próprio futuro a partir das alegrias do passado, e fazer desta vez o melhor que pudermos. Se falharmos, voltaremos; mas não nos esperem. Sabemos que não será tão fácil quanto seria com a sua ajuda, mas temos esperanças de que será melhor."

Com isso, voltaram-se e saíram. O supervisor técnico arqueou uma sobrancelha e virou-se para a parede às suas costas. A um movimento de sua mão, a parede desapareceu, revelando o Quarto Técnico. O supervisor técnico foi até ele e disse: "Você conseguiu mais uma vez. Merece ser condecorado por esta proeza. Agora pode voltar ao seu trabalho". O técnico sorriu, o supervisor técnico também, e o homem e a mulher viveram felizes para sempre.

Leslie Cameron-Bandler

No livro Soluções (Summus).